
REDE NACIONAL INTERNÚCLEOS DA LUTA ANTIMANICOMIAL
CARTA DE PRINCÍPIOS
1-Histórico
A Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial constituiu-se a partir da decisão coletiva de representantes de 13 núcleos da luta antimanicomial de todo o Brasil, reunidos em dezembro de 2003,
Relembrando o Congresso de Bauru, em 1987, onde nasce a palavra de ordem “Por uma sociedade sem manicômios”, e o I Encontro Nacional do Movimento Antimanicomial, em Salvador, 1993, reiteramos nosso compromisso com a organização plural e solidária desta luta em âmbito nacional. Enfatizando as inúmeras e valiosas conquistas obtidas desde então, constatamos, todavia, que a forma e o ritmo da organização do movimento já não acompanhavam a intensidade de sua força. Este descompasso se revela quando, embora por iniciativa de alguns poucos, nosso fóruns nacionais passaram a reproduzir a mesma violência que sempre combatemos nas instituições manicomiais. No VI Encontro de Usuários e Familiares, em Goiânia, 2000, e no V Encontro Nacional do Movimento da Luta Antimanicomial,
Nossa participação na plenária nacional de São Paulo, em 2002, representou a última de numerosas e infrutíferas tentativas para colocar em pauta estes problemas e procurar saná-los. Desde então, afastamo-nos de um espaço organizativo que já rompera há muito com os princípios libertários e democráticos de sua origem, partindo para a constituição da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial.
Com a adesão de novos signatários ao nosso Manifesto, a Rede realiza, em dezembro de 2004, com 19 núcleos de 12 Estados brasileiros, o seu I Encontro Nacional.
2- Princípios
- A Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial tem como empreendimento fundamental a radical transformação das relações entre loucura e sociedade, combatendo todas as figuras de aprisionamento e exclusão dos chamados loucos, para conquistar seu acesso ao pleno exercício da cidadania;
- Lutamos por uma vida digna, livre e independente para os portadores de sofrimento mental, com o respeito às suas escolhas e o incentivo às suas produções, assegurando sua presença e atuação no espaço social;
- Lutamos igualmente, portanto, pelas condições exigidas pela dignidade da vida humana, a saber, o acesso ao trabalho, ao lazer, à saúde, à educação, à cultura, que constituem direitos legítimos e inalienáveis de todos os homens;
- Tal como a entendemos, a transformação das relações entre loucura e cultura exige, por sua vez, transformações igualmente profundas nas estruturas econômicas, sociais e políticas do mundo em que vivemos, visando torná-las compatíveis com os valores de justiça, solidariedade, igualdade e liberdade afirmados pela luta antimanicomial;
- Sustentamos, pois, uma atuação política que intervém de forma ativa e constante nas questões que afetam diretamente os portadores de sofrimento mental - ao mesmo tempo em que nos situamos como aliados de outras políticas de emancipação e lutas libertárias, no Brasil e no mundo;
- Nosso espaço para tal exercício político é aquele do movimento social - entendido como autônomo, apartidário, independente diante de governos e administrações;
- Apresentando nossas reivindicações relativas a políticas públicas efetivas, justas e abrangentes, oferecemo-nos como parceiros e interlocutores ao poder público - reconhecendo seu empenho, quando efetivo, e denunciando suas omissões, quando ocorrem;
- Na área da assistência aos portadores de sofrimento mental, lutamos pela constituição de serviços de Saúde Mental que ofereçam um tratamento digno, pautado pelo respeito à liberdade e busca do consentimento dos seus usuários, constituindo uma rede de atendimento que possibilite a extinção progressiva e irreversível dos hospitais psiquiátricos;
- Participamos de forma ativa do acompanhamento e apuração de denúncias de violação de direitos humanos que afetam os portadores de sofrimento mental;
- Defendemos a criação e aprimoramento das legislações que assegurem aos portadores de sofrimento mental a plena condição de sujeitos de direitos, abolindo as figuras da discriminação e do preconceito;
- Empreendemos a construção de pensamentos, práticas, atividades, etc, que possibilitem a inscrição dos portadores de sofrimento mental no espaço da cultura, jamais através de medidas adaptativas e normativas, e sim pelo convívio e o diálogo com as experiências da loucura;
- Através de publicações, debates, produções culturais, manifestações públicas, etc, convidamos a sociedade a reconhecer, acolher e respeitara singularidade destas experiências;
- Enquanto movimento social cuja identidade e propósitos foram esboçados acima, nossa organização nacional tem como elementos básicos e constitutivos os núcleos da luta antimanicomial - entendidos como organizações autônomas e militantes de portadores de sofrimento mental, seus familiares, trabalhadores de Saúde Mental, etc, que empreendam efetivamente, a nível local ou estadual, as ações e os enfrentamentos exigidos pela construção de uma sociedade sem manicômios;
- A real participação dos portadores de sofrimento mental, tanto nos núcleos locais como em âmbito nacional, como porta-vozes de suas questões e protagonistas da luta por seus direitos, é característica essencial e definidora da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial.
3- Estruturação e funcionamento
- Sendo os núcleos nossos elementos de base, a entrada e participação na Rede, com direito a voz e voto, só é possível através deles (indivíduos ou instituições não vinculados a núcleos são bem vindos a título de colaboradores e parceiros, com direito a voz, mas não a voto);
- Desde que partilhem os princípios expressos nesta Carta, efetivando-os em sua prática, os núcleos têm inteira autonomia para definir sua forma própria de funcionamento;
- São considerados núcleos participantes da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial:
- Até a data do I Encontro Nacional, todos aqueles que assinaram seu documento de fundação (o Manifesto pela luta antimanicomial: em boa companhia)
- A partir do I Encontro, aqueles que endereçarem por escrito à Rede Nacional sua solicitação de adesão, declarando sua concordância com os princípios desta Carta, e apresentando a constituição, as ações e as iniciativas que os caracterizam como núcleos da luta antimanicomial;
- A Rede realizará encontros nacionais de caráter deliberativo com a periodicidade de 2 em 2 anos, com a seguinte estruturação:
- Os encontros nacionais terão como objetivo a avaliação e debate de questões consideradas relevantes na ocasião de sua realização, assim como a tomada das decisões exigidas, e a proposição de seu encaminhamento;
- As avaliações e propostas relativas a estas questões serão feitas em grupos de trabalho, e ali votadas por maioria simples;
- Os coordenadores dos grupos de trabalho elaborarão, a partir do relatório de cada grupo, um relatório único a ser apresentado à plenária. No caso de divergências, deve-se empreender todo o esforço na busca de um consenso. Propostas ou avaliações divergentes que não puderem ser conciliadas desta maneira devem ser destacadas, e encaminhadas para a apreciação dos núcleos participantes da Rede;
- Cada núcleo fará com seus delegados a discussão das proposições divergentes, e se posicionará a respeito de cada uma delas. A respeito de cada proposição, prevalecerá a posição tomada pela maioria simples dos núcleos;
- A Rede será coordenada por um colegiado, eleito a cada Encontro Nacional, com as seguintes características e atribuições:
- Será composto por dois representantes de cada Estado (estes representantes serão escolhidos pela deliberação entre todos os núcleos daquele Estado que participam da Rede);
- Deve reunir-se regularmente, de forma a possibilitar a coordenação das diversas iniciativas e frentes de ação da Rede, e sua divulgação e acompanhamento pelos núcleos participantes;
- Deve, ainda, tomar as decisões que não possam aguardar a data do próximo Encontro Nacional, tomando suas posições a partir das discussões realizadas com os núcleos;
- Além dos Encontros Nacionais, com as características e objetivos já descritos, a Rede deve promover, a qualquer tempo, seminários temáticos, feiras culturais, etc, de interesse para fortalecimento, ampliação e divulgação da Luta Antimanicomial;
- Deve, ainda, constituir comissões específicas de trabalho, cuja composição, objetivos e modo de funcionamento ocorrerão conforme prioridades e necessidades definidas pela própria rede.
- A estruturação e o funcionamento da Rede devem sempre refletir os princípios que a constituem, de forma a assegurar em sua organização a prática democrática e solidária que reúne seus núcleos.
- Esta Carta de Princípios foi aprovada por aclamação, com unanimidade, na abertura do I Encontro Nacional da Rede Internúcleos da Luta Antimanicomial, no dia 2 de dezembro de 2004.
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