sábado, 9 de agosto de 2008

Leitos psiquiátricos continuam na pauta do debate público

Instrumento de trabalho da psiquiatria conservadora

Nota: Em setembro de 2006, Marcus Vinicius de Oliveira, militante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - RENILA pautou uma proposta de discussão sobre leitos psiquiátricos, após um ruído de comunicação provocado por uma entrevista concedida em Manaus pelo Coordenador Nacional de Saúde Mental, dois meses depois da Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP sair do barco da luta por uma sociedade sem manicômios. O tema continua na ordem do dia.

Companheiros,

Gostaria de aproveitar a oportunidade da matéria abaixo, para propor nessa lista, uma discussão sobre o tema dos leitos. O tema dos “leitos” parece que nos persegue e é a nossa pedra do tropeço na Reforma Psiquiátrica. Ele nos remete ao paradigma da clinica, como uma clinica de “ enfermos deitados” e encontra eco num imaginário que afirma um ideal de “cuidados” aos portadores de transtorno mental como atenção médico hospitalar. Na entrevista abaixo, certamente não era a intenção do Coordenador Nacional de Saúde Mental enfocar que estão “faltando” leitos – sabemos que ele não pensa assim -, entretanto foi essa a manchete na interpretação do jornalista. A idéia de que a “boa atenção” se faz com hospitais, está muito arraigada e tem muitos defensores. A questão da inevitável “necessidade da internação” de alguns pacientes “mais difíceis” apoquenta a vida dos nossos Caps e outros serviços - em alguns casos com auto-critica dos limites do serviço e da equipe para produzir a continência das crises e enfrentar as complexas tramas sociais que elas envolvem - mas em grande parte das situações aparece como a naturalização de um recurso complementar “inevitável”.

Tenho em várias oportunidades apontado para a existência de diferentes projetos políticos de reforma psiquiátrica dentro da Reforma Psiquiátrica, no que diz respeito a radicalidade da clinica em relação ao tema da internação e/ou da continuidade da existência de alguns “hospitais psiquiátricos do bem”, ou do caráter fundamental, estratégico e imprescindível da existência de leitos em hospitais gerais para o sucesso da reforma. (lembro-me de que nas origens do debate esse ultimo argumento era utilizado como um recurso tático).

Penso mesmo que o contra ataque da ABP veio explicitar a presença de um polo radical deste pensamento, que pretende salvaguardar a co-existência do espaço hospitalar com a presença de serviços “substitutivos”, agora colocados como serviços “alternativos”: o paciente alterna do CAPS para a internação e vice versa. Na relação dos núcleos do movimento social com algumas coordenações estaduais e municipais de saúde mental, temos várias vezes nos deparados com defensores de posições muito semelhantes: querem uma reforma psiquiátrica que signifique expansão e modernização de serviços sem que isso signifique necessariamente a substituição integral dos leitos psiquiátricos ou uma ruptura com o paradigma de que a internação é apenas mais um recurso técnico. (E atenção que não estamos propondo qualquer desospitalização “irresponsável” ou ignorando as dificuldades políticas de se fazê-lo).

Creio que já produzimos na caminhada desde o congresso de Bauru, os elementos teóricos e técnicos para o enfrentamento deste debate, que prescinde da alusão aos “leitos” e da idéia central da internação psiquiátrica, com resposta às crises. As idéias da hospitalidade noturna, internação-dia, pensão protegida, direito de asilo, o conceito do CAPS III, emergência integrada – particularmente tenho investido no conceito de “intensificação de cuidados” - dentre tantas outras, já nos permite parar de ficar repetindo o receituário da OMS e seus parâmetros sobre “necessidades” de leitos psiquiátricos, para uma dada população. Aliás, acho que já é hora de pararmos de usar a OMS como referencia para o projeto de reforma brasileiro pois se a OMS não é hospitalocêntrica, ela mantém o paradigma “manicomial” da necessidade de um nível terciário para a garantia de uma “boa” assistência em saúde mental. E vários coordenadores recorrem aos seus índices para dizer que a Reforma Psiquiátrica vai bem em seus estados e municípios pois tem índices de leitos psiquiátricos abaixo do “preconizado” pela OMS.

Pensamos que a radicalidade da tensão antimanicomial é o sal da terra da Reforma Psiquiátrica Brasileira - e não uma doença infantil, da qual deveríamos nos livrar em nome das maturidades técno-administrativas - que fez toda a diferença ao longo da história e tem dado o tom do seu desenvolvimento e da sua competência como projeto político. Pensamos que o enfrentamento do contra ataque covarde da ABP tem que, necessariamente, recuperar a ofensiva ideológica antimanicomial em todos os espaços – de gestão, do fazer técnico da clinica, da formação dos profissionais – e que um dos elementos centrais do debate ideológico antimanicomial, esta centrado exatamente nessa figura da “existência dos leitos psiquiátricos” como recurso da Reforma. Gostaria muito de conhecer as opiniões dos colegas acerca desse tema. Ao trazê-lo a lista, mais do que afirmar as idéias expostas, me move o desejo de compartilhá-las e conhecer os seus eventuais contapontos.

Grato pela atenção,

Marcus Vinicius de Oliveira

***

“Quantidade de leitos é insuficiente para atender portadores de doença mental, diz coordenador”

Panorama Brasil (SP)

18 de setembro de 2006

Agência Brasil

MANAUS - Cerca de 3% da população brasileira é portadora de doença mental grave. Isso significa que aproximadamente 5,4 milhões de pessoas precisam de cuidados médicos constantes. Para atendê-las, no entanto, existem 41 mil leitos nos hospitais psiquiátricos do país.

“A quantidade é insuficiente para a demanda”, diz o coordenador nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Pedro Delgado.

Segundo ele, em 1996, eram 72,5 mil leitos, e a diminuição da quantidade foi algo proposital. “Muitos hospitais psiquiátricos foram fechados nos últimos 10 anos graças a denúncias de maus tratos e à reorientação no tratamento dos doentes mentais, que passou a privilegiar a terapia não-hospitalar e a convivência comunitária”, explicou, em entrevista hoje (18) à Radiobrás.

Ele informou que, entre 1998 e 2005, o orçamento do governo federal para a área de saúde mental quase dobrou, passando de R$ 442 milhões para R$ 814 milhões.

“Ele representa somente cerca de 2,4% dos recursos totais do SUS [Sistema Único de Saúde], mas vem crescendo”, argumentou. “Antes, a maior parte dessa verba, 92%, ia para internações. Agora, os gastos hospitalares representam 55% dos gastos”.

Delgado disse, ainda, que aproximadamente 21 milhões de pessoas sofrem de transtornos mentais como depressão e ansiedade. “São problemas que podem causar grande sofrimento à pessoa se não forem bem cuidados”.

Nenhum comentário: